16 maio, 2012

Transplante de órgãos, transplante de vidas?


O tema transplante sempre foi mobilizador de várias polêmicas, divergências, atravessamentos religiosos, etc. Além de despertar fantasias inconscientes, expõe a fragilidade da família e do receptor e/ou doador (no caso de doador vivo) e requer uma leitura psicológica para facilitar que tais medos, fantasias e expectativas sejam pontuadas, desmistificadas favorecendo um diálogo mais transparente e elucidativo entre equipe-paciente-família.

Culturalmente, o brasileiro não tem o hábito de discutir abertamente tais questões. Não raro, as pessoas quando se deparam com a própria limitação - coisa que a doença e o inesperado fazem com exatidão (te obrigam a reconsiderar toda uma vida, a replanejar e a se readequar a nova condição), nos deparamos com muitos paradigmas a respeito do tema que se não forem devidamente manejados poderão impedir tal procedimento ou impactar diretamente sobre o sucesso do mesmo.

E aí falamos de psicossomática, dos impactos que a ansiedade, o medo, o não entendimento do que realmente está acontecendo consigo mesmo podem agravar outros quadros médicos como diabetes, hipertensão e questões outras de ordem psicológica se refletindo no corpo e vindo à tona em um momento que se esperava total estabilização do quadro clínico do paciente.

É de fundamental importância que se faça um acompanhamento psicológico da família e do paciente para minimizar tais questões e para escutar o que a família pensa, qual o apoio que ela pode dar ao paciente e detectar quais são os pontos fortes e fracos de ambos durante esse processo (Não abordarei aqui a escassez de psicólogos no quadro técnico da rede pública e privada no Brasil).

O que mais comumente acontece é a sensação de que receber um órgão de uma outra pessoa possa trazer consigo algumas características do doador. Nessa hora as fantasias começam a aparecer e muitas dúvidas do tipo "Mas será que depois que receber o coração vou continuar amando as mesmas pessoas de antes?" ou "E esse fígado será que o doador bebia? Era uma boa pessoa?"

E quando esse momento surge nada como o respeito, a empatia e o esclarecimento para entender que de fato não é tão simples assim receber um órgão que foi de uma outra pessoa. Enfim, o tema requer muita ética e compreensão por parte da equipe médica e todos os envolvidos direta ou indiretamente no caso. 

Principalmente quando o paciente se mostra relutante e parece fazer de tudo para "dificultar" o seu próprio tratamento. Muito do comportamento não cooperativo (das resistências) vem do medo, de uma possível falha entre a comunicação da equipe-paciente, das fantasias que não encontraram espaço para vir à tona. É nesse momento que somos chamados para apaziguar o que é extremamente normal e esperado- o medo frente ao desconhecido, o medo de encarar a sua própria finitude, a dúvida se vai dar certo ou não... 


Por Dani Souza

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